quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Segundo Capítulo - Uma Xícara de Café

(da saga sobre comida)

Poucas coisas confortam-me tanto quanto uma xícara de café com leite preparada por minha mãe. Ela é capaz de aquecer, não importa o frio faça. Gosto de preparar café forte, completar a xícara com bastante leite quente e sentar-me na enorm poltrona do jardim de inverno, só pra ver o frio do lado de fora da janela, tentando entrar. Minhas lembranças mais gostosas envolvendo uma xícara de café com leite, porém, não aconteceram dentro de casa.

Era junho, e o frio começava a se aproximar de Paris, a cidade mais linda que conheci, e ali, sentada no café Le Deux Magots, senti-me dentro de um filme. Danuza Leão disse uma vez, em Paris, você deve decidir, ou você é Café de Flore ou Deux Magots. Ambos são brasseries deliciosíssimas, uma em frente a outra, muito parecidas. Mas há quem diga que são mundos diferentes. Frequentei as duas sem a menor crise de identidade.
Eu tomava o café vagarosamente, respirando o ar saído de dentro da grande xícara fumegante posta à minha frente por um garçom francês alto e magro, com um sotaque extremamente pronunciado. A cada gole, era tomada por um calor acolhedor e observava o frio que fazia do lado de fora do gazebo de vidro.
Vez por outra, pousava a xícara e observava as pessoas entrando e saindo da pequena igreja, do outro lado da rua, da qual o nome não consigo me recordar. Ao observar aquela cena, foi como se estivesse novamente lendo uma passagem de O Perfume, de Patrik Süskind, sobre o pequeno Jean-Baptiste de Grenouille.

Revivendo essa cena, posso bem entender o charme que ronda todo e qualquer café de Paris. Certa vez perguntei a uma amiga, de partida para a Cidade da Luz, se sentiria a minha falta.
-Sim – ela respondeu, - Mas só um pouquinho, afinal, Paris é Paris.
É, acho que consigo entender o que ela quis dizer com isso.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Entre Duas Notas

Entre duas notas de música existe uma nota que não ouvimos, que chamamos de silêncio.
Entre duas linhas de um texto existe um sinal que não se nota, que chamamos de entrelinha.
Entre duas intenções existe uma terceira intenção escondida, que chamamos de desejo.
Entre duas estrelas próximas existe um abismo, que chamamos de universo, e nele, cabem todos os mistérios do homem.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Capítulo Primeiro - Comam Chocolate!

da saga sobre comida


Chocolate pode ter gosto de uma infinidade de outras coisas – e este é um detalhe que poucos conhecem. Eu acredito que é justamente por esta característica única que muitas pessoas simplesmente amam chocolate e não sabem o porquê. E olha que digo com propriedade. Filha de quem foi por muitos anos dono de uma fantástica fábrica de chocolates (a antiga Chocolates MonteVerde), nasci em abril, dentro de um ovo de páscoa.
Experimentei chocolate que tinha gosto de infância: um Papai Noel imenso, de chocolate ao leite, que era quase do meu tamanho. Munida de um socador de limão e acompanhada de minha melhor amiga, levamos a tarde inteira para transformar aquela escultura de chocolate em pedacinhos que cabiam na palma de nossas mãos que, naquele tempo, eram bem pequenas. Provei de chocolate que tinha sabor, aroma e textura de puro romance. Veio como manda o figurino, acompanhado de flores, ganhadas do namorado.
Tem também chocolate que é salva-vidas, nosso refúgio na TPM.
Chocolate de qualquer tamanho e formato, em qualquer quantidade, vai sempre ter a dose exata do que quer que precisemos. Não importa que faça um dia feio do lado de fora da janela, aqui dentro, comendo chocolate, tudo parece lindo. Chocolate é uma salvação concreta, um refúgio, um conforto.
Coma chocolate, olha que não há metafísica no mundo senão chocolates, já dizia Fernando Pessoa.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Comida, uma saga

Prólogo, um capítulo à parte

Há algo incomum e em comum entre uma boa refeição e uma boa história. Há refeições de todos os tipos. Tem a comida que conforta, que homenageia, que acalma, que faz sonhar, que traz lembranças... Histórias também podem ser de todos os tipos, e quando se pode juntar as duas coisas, boa comida e boas histórias, é melhor ainda.
Assim como toda receita especial, toda história interessante não é completamente revelada. Quem conta um conto aumenta um ponto, e algumas vezes, boas histórias podem levar tempo para ficarem prontas, mais ou menos como um bolo.

Mas porque comida?

Oras, por que não há quem não goste. Comer, propriamente dito, ou ler sobre comida, ou assistir a um programa culinário, ou quem sabe, até mesmo cozinhar. Não, é claro, que qualqer um de nós tenha alguma habilidade entre panelas, o que é claro não nos deixa isentos de prazer ou envolvimento.
E sabe que pode-se dizer muito sobre uma pessoa pelo modo com que se relaciona com a comida. Ou, como já disse, o modo como toma sopa fazendo barulho.

Afinal, você é o que você come!